quarta-feira, 4 de junho de 2014

André Abreu, politizado...


André Abreu, cidadão guarulhense, guitarrista e um cara muito politizado. Fala com propriedade e conhecimento de causa, além de ser um cara com quem podemos falar por horas e horas. Firme nas suas posições e respeitador assíduo da opinião alheia, tivemos essa conversa agradável e você confere a seguir tudo que rolou.

HM Breakdown: Olá André, obrigado pelo seu tempo e por nos dar o privilégio dessa conversa. Agora, nos fale sobre você e suas atividades.
André Abreu: Salve JP e leitores do HM Breakdown, é uma baita satisfação poder trocar essa ideia contigo, e uma honra, tendo em vista que tenho acompanhado e curtido muito os papos aqui. Bom, talvez possa começar falando sobre as coisas que eu faço o que de certo modo reflete com um pouco de precisão (mas nem tudo!) sobre o que somos. As atividades que exerço hoje e que permitem minha vivência possuir um significado, é a música e os estudos. Significado entendido aqui como resultado de práticas que me trazem de volta a mim mesmo. Práticas que não me separam do meu próprio corpo e da minha consciência de si. Sempre estarei numa eterna tentativa, muitas vezes falha (risos) de não privilegiar uma coisa em detrimento da outra. E acho que isso logo de cara já não deu muito certo, porque escrevi musica na frente, mas não tem jeito! (risos)
Além disso, tem o trabalho, que na minha condição operária e histórica pessoal, é o meio que tem me permitido a sobrevivência básica e a possibilidade de realizar estas atividades.

HMB: Sendo direto, porque você se tornou guitarrista?
André: Comecei a tocar guitarra com 14 anos, pouco antes disso já tentava fazer uns acordes de violão, mas meu ouvido sempre foi mais para o lado da guitarra, do som sujo com distorção...  Já à prática, e o vir a ser guitarrista, acho que é uma coisa que ainda está em construção desde aquela época... No começo tocava coisas e tentava imitar a forma de tocar de algumas figuras lendárias do instrumento, que de certo modo admiro e curto muito até hoje, tipo Tony Iommi, Eddie Van Halen, Brian Baker... Só que diferente destes monstros talentosos e dadas minhas condições materiais, nunca pude me dedicar integralmente ao instrumento como gostaria, e talvez eu nem tenha o DNA de guitarrista. Mas sou teimoso pra carai e continuo desafiando a natureza. (risos)

HMB: Você é um cara que respira música 24 horas por dia, quais são as bandas que estão constantemente no seu player?
André: Olha, de uns meses pra cá pra ser sincero não tenho quase escutado nada! Principalmente quando estou na rua, porque eu me fodi e perdi tudo o que tinha no meu HD recentemente, e acabei enjoando da meia dúzia de sons que tem no meu mp3 que sobraram. Então só ouço alguma coisa quando eu paro em casa e fico no computador, aí é inevitável! Algumas bandas que conheci relativamente há pouco tempo andam dando uns rolês dentro da minha cabeça: Melody Monster só o nome ja diz bastante coisa... O Elefante, que é um projeto do vocal do Dead Fish, banda da qual tenho enorme respeito. Tem o Koro, uma banda americana de Hardcore dos anos 80... Skate Aranha, som de doido lá do Piauí... O Gosto do Nojo de Jundiaí, Desacato Civil de SP, Asfixia Social de Diadema, e muitas outras. Além disso, algumas classiqueiras de sempre que me acompanham, Cólera, Plebe Rude, Bad Religion, Dag Nasty, The Ruts, Bad Brains, Cro-mags, Propagandhi, Corrosion of Conformity, Carcass... A lista é grandinha viu.


HMB: E essa diversidade se reflete também quando você toca, fale-nos sobre as bandas em que você já tocou e toca hoje em dia.
André: JP, pra nós que somos operários da música, e insistimos nisso de fazer som autoral, acabamos nos envolvendo organicamente com muitas bandas, e nos apoiamos mutuamente na medida do possível. Meu único critério pra tocar numa banda é a amizade e proximidade com os músicos, obviamente que pra mim o alinhamento ideológico e de classe tem importância determinante, devido a minha orientação ideológica à esquerda, que foi adquirida primeiramente de forma instintiva aos nove anos de idade nas eleições de 89, e de forma mais consciente e militante a partir de 2006 quando ingressei na faculdade de História.
A primeira experiência que tive tocando foi com um grande amigo de infância, o Edu, que foi quem me apresentou ao universo da musica Hardcore, e que morava na minha rua em Guarulhos. Isso devia ser 95 mais ou menos. A gente era uma dupla, ele na batera e eu na guitarra, e fazíamos um som meio metal meio punk só com 2 notas rs, eu tinha acabado de aprender a técnica palm-mute (palhetada abafada) na guitarra. A partir dessa época comecei a colar em vários shows, no Alternative da Penha, no Skina 10 em Guarulhos, Aeroanta em SP, e rolava uns também na escola aonde estudei a partir de 96, o Carlos de Campos no Brás. O pessoal organizava várias festas lá com bandas de Punk Rock, Hardcore e de Rock Alternativo. Após algum tempo resolvi levar mais a sério, e alguns anos depois entrei no Hardtime, uma banda guarulhense também, e ali pude desenvolver mais ou menos a linguagem que tenho hoje no instrumento. Depois de um tempo, e um maior envolvimento na cena, comecei a conhecer mais o pessoal, as bandas, e fui convidado a tocar baixo no Hateen. Em 2004, vivendo um momento de dificuldade e crise, fundei o Voltera, que tinha uma linguagem mais pesada, e a partir daí fiz um pacto com a afinação baixa que dura até hoje. Foi uma das bandas que mais me significou nessa trajetória, principalmente pelo desenvolvimento contínuo de uma autonomia criativa quase que total, com muito pouca influência do que rolava nas cenas Hardcore e alternativa que até então frequentava. Foi meio que um afastamento, mas não chegou a ser uma ruptura radical com os amigos e bandas, mas sim uma proposta musical que ia pra outro lado. Apesar do distanciamento, tenho mantido contato com amigos e bandas da época até hoje!!
A partir daí, em decorrência de compromissos de trabalho e estudo que se intensificaram, passei por uma cacetada de bandas por um tempo mais curto, e as mais significativas foram Quadrado e Filme B. Atualmente componho a linha de frente da banda Ferramenta, um antigo projeto que se tornou concreto pra valer em 2011, e também no Yekun, a banda mais pesada e casca grossa que já toquei até hoje.

HMB: Como você vê o cenário da música pesada no Brasil?
André: Acho que pra entender o cenário brasileiro, seria preciso enxergá-lo como uma reprodução em miniatura da nossa sociedade no geral, com as mesmas contradições, privilégios, conflitos e resistências. Se a gente pudesse pegar um microscópio e ampliar somente esse cenário como uma região, encontraremos muita disputa pelos domínios simbólicos e de espaço. Depois de anos vivenciando e observando as coisas no underground, pelo menos aqui em SP que é o centro orgânico do capitalismo brasileiro, e também muito por eu não ter tido tantas oportunidades de vivenciar essas experiências em outro lugar, não vejo o underground daqui como um lugar tão à parte e "separado" do restante não.
Aliás, São Paulo como sempre está na vanguarda da manutenção a qualquer custo das práticas e da mentalidade individualista, competitiva e violenta dos anos de neoliberalismo. Enxergo muito conservadorismo hegemônico, e pouquíssimos espaços e práticas de resistência e contradiscurso. O cenário underground, apesar de carregar consigo uma essência que naturalmente se opõe a uma lógica de domínio do mercado, acaba muitas vezes reproduzindo essa lógica até de forma mais acentuada, dependendo do lugar.
Quanto às bandas, temos muita qualidade e também muita coisa convencionada a ser considerada "ruim". Ora, e isso faz parte do jogo! Da mesma forma que os ricos existem por conta da riqueza que conseguem na exploração dos pobres todos os dias, as bandas "boas", de sucesso (mesmo no underground), que contam com estrutura de ponta, ótimos equipamentos, investimentos em aulas de música desde cedo, se diferenciam com orgulho do "resto" e entendem isso como mérito próprio. Após a explosão do underground de SP no início dos anos 2000, e por esta contínua reprodução das práticas capitalistas de larga escala na pequena escala, se presenciou a criação de uma casta superior própria, aonde os espaços com boa infra-estrutura, tanto físicos quanto midiáticos, são quase inacessíveis para os de baixo, ou seja, aqueles que em outro momento construíram a base do cenário são excluídos na maior parte do tempo, tanto simbolicamente, pois aquela banda é muito "ruim" pra tocar aqui na minha casa, ou ser divulgada pelo meu site "autoridade no assunto", quanto também é separada economicamente, fato que se traduz no absurdo das bandas ter que vender ingresso no caso de desejar tocar nesses espaços. A sanha por lucro e prestígio tem sido tanta em algumas casas que você não tem nem um acesso mais direto a uma tentativa de diálogo com o proprietário, não há nem a possibilidade de negociação. Isso tem contribuído para dividir cada vez mais o público, que considera o que é bom, ou respeitável, somente se as bandas tocarem nos espaços desse circuito. Mesmo que a qualidade de som, estrutura e respeito oferecida aos freqüentadores, tanto banda como público, seja uma lástima. A contrapartida de uma banda tocar ou aparecer nestes espaços apenas se gerar algum tipo de lucro (econômico ou simbólico) para os proprietários e negociantes do underground, é uma prática real em boa parte do cenário hoje. Não há novidade. Por outro lado, existe a resistência.


HMB: Então, na sua visão existe um conflito de classes nos eventos e no "o que vou assistir hoje", este vindo do público?
André: Não generalizando, mas vejo que uma boa parcela dos que frequentam a "cena" aqui em SP tem uma tendência forte ao elitismo, mesmo estando num ambiente pretensamente underground. É uma relação verticalizada e autoritária que começa pela própria estrutura dos espaços. Quando você vê numa casa de shows pretensamente underground aquelas gaiolas pros fumantes do lado de fora, com o objetivo claro de não misturar aqueles que pagaram o ingresso de quem não pagou e está do lado de fora, é um indício forte dessa segregação (só pra constar, sou totalmente a favor de não fumar dentro dos espaços de shows!). Já dentro da festa, temos aquela subdivisão: bandas de abertura, sendo sempre “inconscientemente sabotadas” nas mesas de som e PAs, para o som não ofuscar a qualidade da “banda principal”. Isso é uma coisa asquerosa do rolê underground. Já estive dos dois lados nisso, e sabemos bem que existe um interesse maior do público pela banda principal, óbvio. Mas acho que essa relação de separação e privilégio cria um vício, e todos que são submetidos a esta lógica acabam entrando na prática. Isso talvez se explique pelo perfil de classe de quem compõe a cena hoje. Até mesmo esta separação que infelizmente se tornou usual, banda principal em cima do palco, acima das bandas de abertura, e estas por sua vez numa posição de pequenos privilégios acima do público, nada mais são do que uma cópia miniaturizada do que se vê no mainstream e no show business... Até mesmo as posturas, gestos, discursos são idênticos!! Chega a ser caricato.
 O que tenho visto desde o começo dos anos 2000 é muita banda e muita gente que cola no rolê sem ter a mínima noção do que é apoio mútuo, solidariedade, amizade, que eram os pressupostos essenciais de sobrevivência no underground, se o considerarmos como uma pratica cultural realmente independente da indústria cultural de massa, e não uma etapa a ser percorrida, transitória, em direção a uma ambição "maior". Os que não detêm o poder nas mãos, podem escolher entre dois caminhos: ou se unem e se reconhecem como classe, ou então serão engolidos sem trégua pela lógica capitalista. De forma geral, as coisas têm acontecido assim.
Ou seja, sendo mais direto, a cena a partir daquele momento ficou ocupada por um pessoal classe média, mais elitizado, com tudo vindo em mãos muito fácil, e com uma capacidade crítica muito débil. A vivência do que é o ser e o fazer da classe operária anda em disputa, e a classe média que geralmente, reproduz esses padrões individualistas. Acho que tem contribuído muito para a desmobilização dos de baixo, e isso inclui o underground.
Ou seja, o referencial mudou, pois não existe mais a capacidade de se reconhecer no outro ao lado, compondo o mesmo ambiente e o mesmo rolê. Mudou muito o perfil da cena, ou seja: se tornou uma região mais competitiva e menos solidária, mais individualista e menos cooperativa, mais divisora e menos somadora, e muito menos amigável. Por essas e outras talvez explique o descontentamento de uma boa parcela do pessoal um pouco mais antigo que frequenta a cena atualmente, tanto de banda como público, se formos considerar essa divisão usual.
Outro dia desses conversei com um grande camarada no metrô, o Ricardo, que tocou bateria comigo num dos projetos embrionários pré-Ferramenta, e compartilhamos o sentimento de não ter mais tanta vontade de sair pra tocar e lidar com esse tipo de situação. E na real, acho que a cena que está "consolidada" por essa mentalidade, naturalmente tende a se esgotar, mas somente se houver práticas que resistam a isso e ofereçam uma perspectiva diferente do que está aí.
 Acho que nunca foi visto tanto elitismo, machismo e racismo na cena como atualmente, mas ao mesmo tempo, a resistência e o boicote a tudo isso tende a aumentar. Eu torço todos os dias para que esse mainstream anão desmorone de vez!!
 Mas pra não ser tão ranzinza e mal humorado, vejo também pontos positivos, como por exemplo, a diminuição considerável da violência nos rolês, isso claro, se compararmos à insanidade que existia no começo dos anos 90. Isso sem dúvida é algo que deve ser levado em conta.

HMB: Você então acredita que essa conscientização das massas deveria ser eleita como prioridade já nos primeiros anos de escola? Investindo muito mais na educação e no livre pensamento dos futuros cidadãos?
André: Sem sombra de dúvida. Infelizmente a educação pública por aqui, principalmente em SP, tem caminhado para o lado extremo oposto, e tem recebido duros golpes desde os anos da ditadura civil-militar, que começou a extrair do currículo escolar disciplinas que potencialmente poderiam estimular o pensamento crítico e uma prática emancipatória por parte dos jovens nas escolas. Disciplinas como geografia, história, filosofia, sociologia, foram retiradas sumariamente do currículo para dar espaço a ensino religioso, educação moral e cívica e outras surrealidades. A partir daí com as posteriores políticas estatais de sucateamento dos serviços públicos para privilegiar e beneficiar a esfera privada. Vieram anos de terror neoliberal patrocinado pelo tucanato paulista. O resultado que temos hoje é essa barbárie que vemos por aí. E nós que sobrevivemos a toda sorte de violência dos anos 90 e das investidas da polícia psicopata que continua a assolar nossas quebradas, ainda temos que ficar ouvindo um monte de viúvas da ditadura querendo intervenção militar... Não sei, as vezes dá vontade de tentar se suicidar igual o Didi mocó fazia. (risos)

HMB: Qual seria então o estopim para a mudança dessa realidade, visto que protestos visando a economia dos vinte centavos se mostraram ineficazes e fez com que o povo se tornasse uma paródia dele mesmo?
André: Vejo que os protestos de junho de 2013 não começaram exatamente ali, e também acho que não se encerraram ainda por completo. O grande acontecimento muitas vezes mascara um pouco os mecanismos que movimentam a realidade. Poderíamos dizer que aquilo foi uma revolução, se pegássemos pra analisar somente aquela foto aérea do 3º ato pelo passe livre, com milhares de pessoas ocupando a consolação indo pra radial leste. Não acho que foi uma revolução propriamente dita, mas sem dúvida foi um momento revolucionário e importantíssimo pra mobilização política popular, que não via nada do tipo desde os movimentos pelas diretas já nos anos 80... Com 5 anos de idade não participei, mas lembro do meu pai dizendo que foi em algumas das manifestações no RJ e aqui em SP. No vale do anhangabaú o povo botou a rede globo pra correr! (risos). Estamos ainda no processo de redemocratização do país desde aquela época, e isso continua em curso!!  Ainda temos resíduos da ditadura, por exemplo, em SP a continuidade da polícia militarizada mais sanguinária do país. Não foi realizada também a democratização dos meios de comunicação (em SP por exemplo, não existe uma mísera radiozinha sequer de som pesado/alternativo nas FMs, canal de televisão aberta então nem se fala!!), entre milhares de outros problemas históricos, acumulação de vasta quilometragem de terras nas mãos de pouquíssimos proprietários, resquícios da mentalidade escravocrata, racismo, machismo... Se o processo democrático continuar a ser consolidado como um processo em disputa e não for ameaçado por grupos extremistas, fanáticos e fascistas, pode ser que tenhamos algum tipo de mudança sim. Acho que a democracia tem que ser popular, e não elitista. Entendo que hoje temos uma democracia elitista, mas o processo está em disputa e aberto! Por enquanto, a meu ver, um pouco longe do ideal para efetivamente transformar as estruturas na direção do empoderamento popular, mas a transformação se dá também no nosso cotidiano, neste exato momento! Esta mesma conversa talvez já seja algo que reproduz esse sentimento e prática de transformação, assim como um coletivo popular estudantil ou de categoria de trabalhadores que se organizou inspirado nas ultimas manifestações. As pessoas, bem ou mal estão se politizando como nunca, discute-se política o tempo todo! Acho que os protestos de junho de 2013 foram uma tremenda lição sobre o que pode unir as classes populares na direção de objetivos concretos e demandas urgentes, e entender que é possível conviver com as diferenças ideológicas internas até alcançar satisfatoriamente estes objetivos.

HMB: Sim, mas apoio da massa, que é o grande “boom” das revoluções, estão todos voltados a Copa do Mundo. Você consegue visualizar uma mudança de comportamento das pessoas logo após o encerramento desse evento, ou acha que o brasileiro não é guerreiro o suficiente para tentar melhorar a sua própria condição?
André: A Copa do Mundo talvez seja um momento único na nossa história. Temos visto as notícias de escandalosos benefícios concedidos pelos governos para a movimentação do capital privado, principalmente às grandes empreiteiras e outros setores específicos que abocanharam uma enorme fatia de recursos, e enquanto isso, muitos despejos e violações de direitos populares têm aumentado. As possibilidades de visibilidade planetária de manifestações que mostrem explicitamente todas as nossas contradições históricas e problemas que temos no país está colocada. E tudo isso ainda em ano de eleição. Acho que seremos testemunhas de muita coisa. Eu particularmente acho que, apesar da legitimidade dos protestos, rola um pouco de ingenuidade em algumas ações mais extremas dos protestantes. Se essas movimentações recebem apoio de gente como Bolsonaro e aliados, é preciso parar pra pensar um pouco. Acho que os problemas que temos incluem sim as questões da Copa, mas acho que ela é quase insignificante se compararmos à roubalheira que os grandes empresários e os ricos promovem no dia-a-dia, sonegando impostos, comprando lideranças políticas e acumulando à rodo riquezas provenientes de recursos públicos para se consolidar cada vez mais. A economia tem submetido a política aos seus desmandos.
Neste período que se aproxima, a correlação de forças será colocada na mesa novamente. Quanto ao questionamento sobre a reação do brasileiro, acho que nós, de forma geral, ainda somos um pouco reféns de todos esses desdobramentos históricos, mas não acredito que somos essa entidade popular "pacífica" como a famosa construção simbólica imposta pelas classes dominantes sugerem. Somos sim um povo que, de uma forma ou de outra, têm se rebelado e demonstrado insatisfação, mas a resposta vem sempre através de massacres impiedosos!! Desde as matanças às resistências da invasão européia, depois dos escravos rebeldes (e não rebeldes também!), passando pelos movimentos de independência populares, de trabalhadores organizados, dos comunistas e esquerdistas, até a juventude periférica principalmente negra. Ou seja, tem se eliminado, fisicamente e ideologicamente, qualquer um que ouse desafiar e propor qualquer mudança, mesmo que modesta na ordem estabelecida. Fatos que continuam a se reproduzir atualmente. O Brasil é um país que tem sido regido pelo ódio e pelo irracionalismo, e acho isso uma merda!


HMB: Música pesada e política andam de mãos dadas? Ou esta seria uma realidade de um determinado nicho dentro de um estilo?
André: Sim, com toda a certeza a música, seja ela pesada ou não, pode estar perfeitamente alinhada à política!! A música é um meio, uma forma do ser humano se comunicar com o outro e se expressar. Não acredito apenas na música como veículo para divulgação ideológica, mas também qualquer outra manifestação de arte. Seja na pintura, no cinema, na literatura, etc.
Acho que na música existem regiões (considero um nicho de música pesada específica como uma região, por exemplo!) que são disputadas politicamente através do universo dos símbolos de forma constante.
É só considerarmos, por exemplo, o que tem acontecido no Hardcore de São Paulo. Vejo hoje a cena reproduzindo tanto a simbologia dos ideais libertários e emancipatórios, que de certo modo tem sido a tradição derivada do movimento punk quando se politizou nos anos 80, assim como também observamos reproduções simbólicas mais “apolíticas”, e muitas vezes claramente viradas à direita, mais conservadoras, e muitas vezes com discursos reacionários! Vejo então um campo de forças e de disputa pelo significado do som Hardcore, pelo menos em SP, que é reproduzido em sua maioria por agentes de origem operária, popular e de frações de classe média proletária suburbana. Há uma disputa no interior destas classes pelo direcionamento de suas representações políticas, e isso se vê acontecer na cena também.
Mas acho que existem alguns estilos específicos que detém certa hegemonia e que quase não há espaço para disputas simbólicas. Acho interessante, por exemplo, o Death Metal, que a grande maioria das bandas desse rolê possui um conteúdo politicamente libertário, e as bandas desse estilo que possuem um discurso mais reacionário ou fascistóide quase não tem espaço (o que particularmente acho ótimo). Se é que existe alguma, provavelmente não ameaça a estabilidade do significado usual do estilo.

HMB: Planos para o futuro?
André: Em breve entraremos em estúdio pra gravar novamente com a Ferramenta e a Yekun, e pretendo também dar continuidade a minha formação, como professor de História.

HMB: Resuma André Abreu em uma frase ou palavra.
André: Isso é bem cabuloso, bem difícil mesmo. Tem um poema da Isabel Allende que pode ajudar "A vida é puro ruído entre dois silêncios abismais: o silêncio antes de nascer, e o silêncio após a morte"

HMB: Obrigado pelo seu tempo e por nos proporcionar este belo bate-papo, deixe aqui uma mensagem para os nossos leitores.
André: JP, você é um grande camarada. E ações como estas que você está fazendo integram mais a cena, e acho que se estamos descontentes com algo, temos de fazer diferente e tentar reproduzir as coisas de acordo com o que acreditamos. Aos leitores, deixo aqui um abraço e um desejo: Se você toca em alguma banda, seja também o público, na medida do possível. Sempre apoie os rolês e as outras bandas da sua cidade, do seu estado, do seu país, do seu continente. Se você não toca em banda, monte uma. Escreva fanzines, publique blogs, faça camisetas e adesivos, ajude a organizar shows. Quem sabe um dia, conseguiremos destruir esses muros que dividem a cena entre “artista” e público e assim talvez possamos construir um underground com mais respeito, justiça e mais divertido e amigável. Espero que tenham curtido o papo, valeu!

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